quarta-feira, 6 de abril de 2011

ENTREVISTA COM JOSÉ PACHECO SOBRE A ESCOLA DA PONTE

Na Vila das Aves, cidade do Porto, Portugal, há uma escola na qual não existem turmas separadas por idade ou escolaridade, nem lugar fixo ou sala de aula. Os alunos, organizados em pequenos grupos com interesse comum, reúnem-se com o professor em grandes galpões e desenvolvem programas de trabalho de 15 dias. Avaliam o que aprendem e formam novos grupos.

JOSÉ PACHECO RESPONDE COMO SURGIU A ESCOLA DA PONTE

Em 1976, a Escola da Ponte defrontava-se com um complexo conjunto de problemas: seu isolamento ante a comunidade de contexto, o isolamento dos professores dentro da escola, sutis ou claras manifestações de exclusão escolar e social, indisciplina, ausência de um verdadeiro projeto e de reflexão crítica sobre as práticas. Estava cativa da hegemonia de metodologias centradas no professor, as instalações eram decrépitas e insalubres. Bastará dizer que o banheiro estava em ruínas e não tinha porta. Satisfazer às necessidades mais elementares constituía um teste de entreajuda: as alunas iam lá fora em pequenos grupos, fazia-se a parede e a porta num círculo humano em torno da necessitada, para gerar alguma intimidade...
Como tenho por hábito comentar, talvez tenha sido por razões tão elementares (tão humanas...) que um dos valores que constituem a matriz axiológica do projeto emergiu: a solidariedade. Haverá mais solidariedade que o fraterno assegurar da necessária intimidade?...
Os projetos partem de pequenos gestos. E só professores que não se interrogam poderiam consentir que as crianças continuassem a (sobre) viver num cotidiano escolar que roçava o limiar da sobrevivência. Quando ficou garantido o conforto dos corpos, o reconforto das almas veio por acréscimo. O projeto cresceu, prosperou, sofreu ataques que visavam destruí-lo, resistiu e consolidou-se.
Desde há muitos anos, e porque nunca ninguém conseguiu explicar-nos por que haver separação entre as classes, nós a eliminamos. Fizemos uma ruptura quase total com a tradicional organização do trabalho escolar. Mas, se o "tradicional" traz bons resultados em outras escolas, ainda bem. Aliás, não dispensamos alguns dos seus contributos. Nem nos deixamos deslumbrar pelas "soluções" encontradas. Apesar de as histórias de vida dos ex-alunos serem feitas de realização pessoal e de excelentes desempenhos acadêmicos nas escolas para onde transitaram, apesar de tudo o que foi construído ao longo de quase três décadas, estamos sempre animados com o "brilho dos inícios"...
O projeto da Escola da Ponte é, de certo modo, um projeto eclético, por adotar contributos de diferentes origens, modelos, autores, correntes... É nossa convicção que um projeto só poderá encontrar sentido e sustentabilidade se for escorado numa permanente interrogação das suas práticas e escapar à vertigem de fundamentalismos pedagógicos. Todo o contributo que faça sentido no hic et nunc do projeto é integrado, avaliado, transformado em função do contexto e seres-autores. Rejeitamos as teorias, propostas metodológicas, os modelos, as "modas", por mais bem embrulhadas e recomendadas que cheguem até nós, se não fizerem sentido. É só isso: o quanto baste de sensibilidade e bom senso.
Portanto, nada foi inventado na Escola da Ponte. Quando percebemos que precisávamos mais de interrogações que de certezas, definimos como objetivos: concretizar uma efetiva diversificação das aprendizagens tendo por referência uma política de direitos humanos que garantisse as mesmas oportunidades educacionais e de realização pessoal para todos; promover a autonomia e a solidariedade; intensificar a cooperação. Consideramos indispensável alterar a organização da escola, interrogar práticas educativas dominantes. E, pelo caminho, encontramos amigos e companheiros (ainda que já desaparecidos como Paulo Freire, Piaget, Dewey, Montessori, Ferrer, Neil, Carl Rogers, Vigotsky, Stenhouse, Agostinho da Silva, Rudolph Steiner, Freinet, e muitos outros)...


FONTE: SITE ITAÚ CULTURAL

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